Havia fábricas, havia ideias, criava-se bem-estar. “Os primeiros anos” de independência da Guiné-Bissau foram “fabulosos em termos de investimento público no desenvolvimento”, recorda Huco Monteiro, 56 anos. O guineense já foi ministro da Educação e dos Negócios Estrangeiros e é atualmente comissário executivo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Após 1974, o país viveu “um período de muito entusiamo, de muitas realizações”, tudo orientado no sentido de “materializar a ideia de bem-estar, com fábricas plantadas por tudo quanto era canto. Tudo quanto fosse ideia de alguma coisa, havia na Guiné-Bissau”, refere.
“Não tenho ideia de que dispuséssemos de recursos humanos para seguir aquele ‘elan’”, ou seja, para manter a dinâmica, mas, pelo menos, havia vontade política. O que baixou de nível com o tempo. É pena nesse aspeto”, sublinha Huco Monteiro.
Vídeo de Luís Miguel Fonseca
Hoje, a Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo e há pouco de tangível traduzido em bem-estar criado depois da Independência.
Ou seja, se a conquista da independência é um facto que do ponto de vista simbólico todos os guineenses aplaudem, na prática “falta o progresso prometido”.
“Há domínios em que os avanços foram importantes: é o caso da Educação. Não estou a falar em termos de qualidade, mas em termos de democratização do ensino: a Guiné-Bissau fez milagres”.
O país está também “mais conectado ao nível das infraestruturas”. Mas estes dois pontos positivos servem de fraco consolo quando se compara a Guiné-Bissau com outros países, mesmo com os Estados vizinhos.
“Ficamos a pensar que não estamos a viver o mesmo tempo. Eles avançam a um ritmo e nós a outro, mais lento. Isto com certeza tem a ver com a instabilidade política que assola o país, já há muito tempo. São décadas de instabilidade, o que não é muito bom para o país”.
A comparação mais flagrante é feita com o país irmão, Cabo Verde, com o qual houve o projeto primordial de serem um único Estado: o ponto de partida foi o mesmo, mas hoje o arquipélago cabo-verdiano está muito mais desenvolvido.
“De cada vez que vou lá, fico surpreendido com o progresso naquele país. Em termos físicos, em termos de recursos naturais, tem muito pouco” quando comparado com a Guiné-Bissau.
Mas é um Estado “que beneficia da seriedade da governação, que nos mete inveja naquilo que eu chamo de realizações tangíveis. Eu dizia a eles: isto é que é o verdadeiro país de Amílcar Cabral”.
“Perguntaram-me: ‘mas quer suscitar a rivalidade Cabo Verde – Guiné’? Não, pelo contrário, é para elogiar um país que consegue materializar os sonhos de Amílcar Cabral”, pai da autodeterminação dos dois países.
“Eu tenho a certeza que havemos de lá chegar [ao nível de desenvolvimento de Cabo Verde], mas estamos a levar muito tempo”.
Huco Monteiro considera que a Guiné-Bissau sofre de um “instabilidade estrutural na cúpula do poder político, “que não consegue estabilizar-se. E isso complica tudo”.
O comissário recorda um período depois de 1998, após a guerra civil, em que a mudança de governos era constante.
“Todos os dias temos novos membros de Governo ou um novo diretor-geral, novo primeiro-ministro… não há pais que consiga avançar assim. Nem a Itália consegue”, compara.
Por isso, após 42 de problemas, o que se exige são coisas simples.
“Na Guiné-Bissau, o povo não é muito exigente. Passámos tanto mal, que agora a nossa fasquia está um bocado baixa. Há esperança, há muita esperança e os que nos governam têm obrigação de responder positivamente a essa esperança”.
Depois de mais um período difícil, devido ao golpe de Estado de 2012, no último ano houve eleições gerais que colocou “uma nova elite no poder”.
“Há esperança em relação a essa elite. Cabe aos que estão a governar o país, ao Presidente da República, ao Governo, não defraudar essa esperança”, conclui.
Fonte LUSA
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